Especial Coronavírus: como ficam as relações de trabalho?

18/03/2020

Postado por Normativa Saúde

Em caso de medidas de quarentena e isolamento, as faltas ao trabalho serão consideradas justificadas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, nesta quarta-feira (11), pandemia global do coronavírus. Incluem-se, entre as recomendações de prevenção, a limpeza e higienização do local de trabalho, a promoção regular de limpeza das mãos e a disposição de lenços em locais de fácil acesso. Também foi recomendado evitar multidões e sugerido o teletrabalho no caso de epidemia.

No início de fevereiro, foi sancionada no Brasil a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. O isolamento e a quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas, bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação das pessoas que não estejam doentes, a fim de evitar a possível contaminação ou a propagação do vírus) são algumas das medidas que podem ser aplicadas pelo Poder Público.

Neste caso, o período de ausência decorrente será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada (artigo 3º, parágrafo 3º).

A pandemia e seus reflexos no contrato de trabalho

Obrigações do empregador e do empregado

No ambiente de trabalho, as condições de trabalho, entre outras circunstâncias, determinarão se há cumprimento aos direitos dos empregados.

A Carta Política de 1988 determina proteção ao meio ambiente do trabalho, além de dispor que o trabalhador tem o direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Não há regramento específico, seja na CLT ou em outra legislação complementar à CLT, quanto ao coronavírus e as relações do trabalho.

Contudo, do ponto de vista genérico, a empresa tem o dever constitucional quanto a observância das normas de medicina e segurança do trabalho.

Assim, de acordo com os locais e as atividades executadas pelos empregados, em especial para os que laboram em hospitais, postos de saúde, aeroportos, atendimento ao público etc., é necessário a empresa adote as medidas cabíveis para evitar o alastramento deste vírus.

Por ser uma doença viral, a empresa deve orientar, bem como adotar as medidas possíveis de proteção à exposição do vírus.

No exercício desse dever, incumbe a empresa: (a) disponibilizar máscaras e luvas caso necessário; (b) orientar os empregados para lavarem as mãos constantemente; (c) oferecer e orientar o uso de álcool gel; (d) orientar que não devem compartilhar itens de uso pessoal; (e) manter o ambiente de trabalho sempre limpo e arejado; (f) não enviar o trabalhador para locais que haja suspeita dos coronavírus.

Os empregados devem ser orientados para que em caso de algum sintoma consultem um médico e informem imediatamente o empregador.

Em caso de surto da doença, se for possível, uma saída eficaz é possibilitar o trabalho home office nas funções em que sejam compatíveis, para evitar contatos entre os empregados e os clientes.

Dentro desse universo de incertezas, se a empresa adotar tais medidas, sem dúvidas, estará na plena observância das normas de medicina e segurança do trabalho.

É necessário que a empresa faça o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, além da devida instrução aos seus empregados, por meio de ordens de serviço, as precauções a tomar no sentido de evitar acidentes ou doenças (art. 157, I e II, CLT), há o correspondente dever dos empregados para com tais normas e orientações (art. 158, I e II, CLT), sob pena de constituição de ato faltoso em caso de recusa injustificada (art. 158, parágrafo único, I e II).

A ausência do trabalhador e o Coronavírus

No plano legal, a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe a respeito das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

De forma específica, a Lei assegura que será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente da contaminação pelo coronavírus (art. 3º, § 3º).

Assim, o afastamento do empregado em decorrência de problemas de saúde oriundo do coronavírus não lhe trará prejuízo em seu salário.

Nos primeiros 15 dias de afastamento, o pagamento proporcional a esse período é de responsabilidade do empregador. A partir desse período, o pagamento fica a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (art. 60, Lei 8.213/91).

É primordial que o afastamento deve ser recomendado por um médico, não cabendo ao trabalhador ou empregador a decisão quanto a necessidade de ausência no trabalho. Os prazos e as condições de isolamento e quarentena são definidos pelo Ministério da Saúde (MS) ou pelos gestores locais de saúde.

Findo o prazo de afastamento médico junto ao INSS, o trabalhador será submetido a uma perícia para saber se está apto a voltar ou não a exercer suas atividades normalmente.

No caso de não poder retornar, o INSS renova o prazo de afastamento de suas funções. Caso seja diagnosticado curado, sem resquício da doença, o empregado deve retornar ao trabalho normalmente. Caso prefira não retornar ao trabalho, tem-se a figura do abandono de emprego.

Coronavírus: doença do trabalho e a responsabilidade civil do empregador

Do ponto de vista legal, se houver o contágio no ambiente de trabalho, a doença ser considerada com uma doença do trabalho (art. 20, Lei 8.213).

Contudo, é temerário afirmar de que o empregador possa vir a ser responsabilizado por acidente de trabalho ou doença do trabalho, caso o seu empregado tenha algum tipo de incapacidade ou venha a óbito em decorrência da patologia.

Os sintomas do coronavírus não se entrelaçam necessariamente com as condições efetivas do meio-ambiente do trabalho, sendo que o seu contágio pode ocorrer em qualquer local.

Não há um regramento legal específico para o empregador quanto a esse vírus.

Assim, se a empregador adotar os cuidados gerais recomendados pelo Ministério da Saúde e pelas normas trabalhistas, não vemos como poderá ser responsabilizada civil por eventual contágio ocorrido no ambiente de trabalho.

Divulgação dos empregados doentes e afastados

Por orientação médica, o empregador pode ser obrigado a afastar o empregado doente. É uma situação de isolamento (quarentena) (Decreto 10.212/2020 e Lei 13.979/2019).

Não é recomendável, por parte do empregador, divulgar o nome dos empregados portadores do vírus coronavírus. Essa atitude pode implicar em violação ao pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais do trabalhador (art. 3º, § 2º, III, Lei 13.979/2020).

Por outro lado, indicar que o trabalhador tem o vírus não pode ser considerado uma forma de discriminação, de preconceito ou de estigma, ante o interesse público em risco.

O empregador pode exigir exames médicos ou ser informado da doença?

Ante a inteligência do art. 3º, III, Lei 13.979, bem como face ao dever de o empregador zelar pela medicina e segurança do trabalho junto ao seu meio-ambiente de trabalho, é razoável a afirmação de que o empregado pode exigir, justificadamente, que o empregado faça o exame para fins de detecção do vírus ou que avise que está contaminado.

Em caso de afastamento de diversos empregados, o empregador pode haver a substituir a mão-de-obra?

A Lei 6.019/74 regula o trabalho temporário. A regulação do trabalho temporário é um mecanismo de atendimento à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

Considera-se demanda complementar de serviços a qual seja oriunda de fatores imprevisíveis ou, quando decorrente de fatores previsíveis, tenha natureza intermitente, periódica ou sazonal (art. 2º, § 2º).

Sem dúvidas que a questão entrelaça-se com uma situação imprevisível, portanto, o empregador poderá vir a substituir a mão-de-obra, adotando-se, o trabalho temporário.

Se não desejar o trabalho temporário, poderá contratar trabalhadores como seus empregados, adotando-se, assim, a modalidade de um contrato por prazo determinado na forma do art. 443, § 2º, “a”, CLT (o contrato por prazo determinado é válido em se tratando de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo.

Suspensão total ou parcial da empresa e seus efeitos

Como premissa básica do direito do trabalho, o risco da atividade econômica é do empregador e, nenhuma hipótese, pode ser transferido ao empregado.

Contudo, diante da pandemia decretada, seja pelas peculiaridades da atividade econômica desenvolvida, seja pela localização da empresa ou ainda por determinação da autoridade pública, poderá haver a necessidade de suspensão total ou parcial da atividade empresarial.

Desta forma, se a suspensão da atividade empresarial se der por decisão unilateral do empregador, a priori, será necessário avaliar cada caso concreto para se verificar a ocorrência (ou não) de força maior.

Por outro lado, se a determinação de suspensão da atividade decorrer de decisão de autoridade pública ou decisão judicial (factum principis), tem-se a caracterização de força maior (art. 501, CLT).

É possível colocar os empregados em férias coletivas?

A concessão de férias coletivas é uma hipótese legal e viável diante das circunstâncias de paralisação temporária das atividades do empregador, podendo, se for o caso, abranger todos os empregados da empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores da empresa (art. 139, caput, CLT).

Por determinação legal, o período mínimo de férias coletivas é de dez dias (art. 139, § 1º, CLT). Caso o período se alongue, o empregador poderá adotar a sistemática da paralisação dos serviços com a remuneração dos serviços (art. 133).

Também a necessidade de informar a autoridade administrativa e o sindicato de empregados (art. 139, § 2º e § 3º).

A negociação coletiva como instrumento eficaz

Do ponto de vista estrutural, é inegável a validade dos instrumentos normativos e seu reconhecimento pelo sistema jurídico (art. 7º, XXVI, CF), sendo a materialização da autonomia da vontade das entidades sindicais e empregadores.

Atualmente, a negociação coletiva também se insere entre os direitos e princípios fundamentais no trabalho (Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, 1998, Convenções 87 e 98, OIT). O direito à negociação coletiva de trabalho também compõe o rol de direitos fundamentais elencados na Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA)(art. 45, c) e encontra amparo na Declaração Sociolaboral do MERCOSUL (art. 17).

Para os diversos problemas mencionados e outros que podem surgir, a negociação coletiva se mostra um instrumento eficaz para se encontrar a melhor solução, até porque em alguns casos os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho podem se sobrepor a lei (art. 611-A e art. 611-B, CLT).

 

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